O
trabalho é a práxis fundante do ser social, atividade que possibilita que os
homens desenvolvam forças produtivas e a reprodução social, realizando
atividades em sociedade que extrapolam o ambiente da produção. Essa
transcendência da imediaticidade do trabalho é o fundamento ontológico que
desencadeia a reprodução social, que é permeada por inúmeras mediações que se
interpõem entre o trabalho e a totalidade social. Apenas esse ser social é
capaz de atingir a dimensão teleológica do trabalho, que objetiva, através da
ação, um fim determinado. Essa dimensão produz valores de uso, onde matérias
naturais são apropriadas de forma útil para satisfação de necessidades
essenciais. A satisfação dessas necessidades primárias gera outras
necessidades, configuradas social e historicamente. Essa ação teleológica é
destacada por Marx (2013) como o primeiro momento simples do processo de
trabalho, que ele divide em três: a atividade orientada para um fim (ação
teleológica); objetos e meios de trabalho.
O
objeto de trabalho é caracterizado de acordo com a ação do homem sobre ele.
Pode ser dividido em objeto preexistente ou matéria-prima. No primeiro caso,
enquadram-se aqueles objetos onde o ato laborativo apenas os separa de sua
vinculação direta com a totalidade da terra5 . Quando este objeto de trabalho
já passou por algum trabalho anterior6 , é considerado matéria-prima. “Toda
matéria-prima é objeto de trabalho, mas nem todo objeto de trabalho é
matéria-prima. O objeto de trabalho só é matéria-prima quando já sofreu alguma
modificação mediada pelo trabalho” (MARX, 2013, p. 256). 5 Como exemplo o
minério, que existe independente da interferência da ação do homem. 6 Como o
minério já extraído da mina e que agora será lavado. 11
Já
os meios de trabalho são caracterizados tanto pelo que está entre o trabalhador
e o objeto de seu labor, servindo de guia para sua atividade, como aquilo que
foi previamente elaborado, mas que contribui ou é condição para o processo de
trabalho. A utilização e a criação dos meios de trabalho são características
específicas do trabalho humano. Nos meios de trabalho está sempre presente
algum tipo de objetivação prévia de valores de uso, isto é, de trabalho
anterior.
Assim,
entre os meios de trabalho estão também incluídas as condições objetivas,
compreendidas como aquelas necessárias à viabilização do processo de trabalho,
como a terra, instrumentos de trabalho e transporte, os meios de produção e
circulação da riqueza, dentre outras, que mesmo não fazendo parte direta da
produção são determinantes para a realização do processo de trabalho. A força
de trabalho, própria do homem, é condição subjetiva para o trabalho. Em resumo,
[...]
o processo de trabalho inclui entre seus meios, além das coisas que medeiam o
efeito do trabalho sobre seu objeto e, assim, servem de um modo ou de outro
como condutores da atividade, também todas as condições objetivas que, em
geral, são necessárias à realização do processo. Tais condições não entram
diretamente no processo, mas sem elas ele não pode se realizar, ou o pode
apenas de modo incompleto (MARX, 2013, p. 258).
O
desenvolvimento dos meios de trabalho permite conhecer o grau de evolução da
força de trabalho, assim como as condições sociais sob as quais o trabalho é
exercido. A história econômica se diferencia não pelo „quê‟ é produzido, mas
pela maneira „como‟ é produzido, isto é, com que meios de trabalho (MARX, 2013,
p. 256).
Sendo
assim, o processo de trabalho, definido em grande medida pela utilização dos
meios, transforma o objeto em produto. Esse é o objetivo do trabalho que, desde
o início de seu desenvolvimento, pretende a criação de valores de uso, de modo
que matérias naturais sejam destinadas à satisfação de necessidades humanas.
Esta atividade é definida como trabalho concreto, pois forma valores de uso
específicos que respondem a necessidades efetivas, caracterizando-se como uma
atividade essencial do indivíduo. A energia física e mental despendida é
incorporada no objeto, de modo que o trabalho torna-se objetivado no valor de
uso recém-criado. Ao se analisar o processo até chegar ao seu resultado – o
produto, tanto o meio e o objeto do trabalho aparecem como meios de produção, e
o trabalho apresenta-se como trabalho produtivo.
A
concretização do processo de trabalho, que objetiva a produção de um valor de
uso como resultado final é, portanto, dependente da utilização de valores de
uso variados, resultantes de processos de trabalho precedentes, como meios de
produção (MARX, 2013). Nesse sentido, para a produção de um determinado valor
de uso é imprescindível o emprego de outros valores de uso. E o valor de uso,
que pode servir como bem ou produto orientado ao consumo final, pode ser
matéria-prima para a produção de outra mercadoria, servindo a processos de
trabalho distintos.
Assim,
ainda que já se caracterize como produto, ao passar por diversos processos, a
matéria-prima original vai se alterando e servindo em outro processo novamente
como matéria-prima, até alcançar um último processo de trabalho, quando atinge
a forma de meio de subsistência ou meio acabado de trabalho (MARX, 2013, p.
260). A distinção do valor de uso em matéria-prima, meio de trabalho ou produto
final irá depender da função que determinado valor de uso ocupa no processo de
trabalho. Os valores de uso serão consumidos para a satisfação de necessidades
vitais – consumo individual – ou retornarão para um novo processo de trabalho
como meios de produção – consumo produtivo. A própria fabricação de valores de
uso já é um processo de consumo, onde o trabalho consome objetos e meios.
Tem
início a complexificação desse processo de produção simples, tomando outras
formas quando o capitalista passa a deter os fatores que constituem o processo
de trabalho, através da compra e da concentração da posse de meios de produção
e de força de trabalho. A evolução deste processo faz com que o trabalhador não
se reconheça mais nos produtos de seu trabalho. Estes passam a se tornar
estranhos ao homem, o oprimindo e dominando.
Quando
os produtos da atividade econômica, produzidos pelo homem, tornam-se alheios a
ele, é como se criassem um mundo onde esses objetos são independentes,
separados e poderosos e o seu produtor passa a se relacionar como um escravo,
de forma a não ter força sobre eles, impotente e também dependente destes
produtos. Essa alienação não se dá somente em relação aos produtos de seu
trabalho, mas se alastra para além da esfera produtiva, atingindo o conjunto
das relações sociais. Esse avanço do capital provoca e intensifica as barreiras
para o avanço do homem, enquanto ser genérico.
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Aula dia 03-08 – Geografia/Prof. Paulo
DICAS PARA ESTUDAR EM CASA E MANTER A ORGANIZAÇÃO
1 - Prepare o ambiente para estudar
A escolha do seu cantinho de estudos é muito importante! Encontre um lugar de sua casa em que a chance de distrações seja a menor possível. Um ambiente iluminado e silencioso é o ideal para se concentrar nos estudos. Pode ser em seu quarto, na área, sala, mas de preferência a um local que os moradores da casa não circulem com frequência para não tirar a sua concentração.
2- Não fique de pijama Se você deseja manter o ritmo dos estudos, nada de ficar de pijama o dia todo!
Estar de pijama é garantia de que vai dar vontade de se encostar na cama e tirar um cochilo no meio da manhã/tarde. E o que era para ser apenas um rápido descanso de 20 minutos, pode virar duas ou três horas de sono. E a preguiça depois? Com certeza você vai acordar se perguntando: por que eu fiz isso?
Levante, tome café e troque roupa. O seu dia será mais produtivo assim!
3- Estabeleça horários fixos
Vamos pensar na sua vida como estudante: durante o ano letivo, sua escola não começa as aulas na segunda-feira, ela segue horários fixos para o início e para o fim das atividades, além de pausas preestabelecidas para o descanso dos alunos.
É bem provável que você ache essa rotina um tédio, mas os educadores sabem que o seu corpo precisa de hábitos para ter um funcionamento adequado e apresentar um bom rendimento.
Para estudar em casa, você também precisa manter essa disciplina. Crie horários fixos durante a semana para começar — e terminar — os seus estudos. Se em um determinado dia, você precisar mudar os seus horários para realizar outras atividades, volte à rotina normal no dia seguinte. Esses hábitos te ajudarão a disciplinar o seu corpo e a sua mente sem sacrifícios.
4- Desenvolva um cronograma de estudos
Por mais que a nossa casa não seja uma instituição de ensino, ter um cronograma de estudos, com rotina definida e uma boa organização daquilo que precisará ser estudado ao longo das semanas, é crucial para que você não procrastine os seus estudos quando estiver em casa.
Você pode dividir as matérias a serem estudadas de acordo com o horário de aulas preestabelecidos assim, fica mais fácil criar metas de leitura, realizar exercícios e se preparar com qualidade sem deixar tudo para a última hora, já que estudar requer concentração e disposição do aluno.
5- Entenda o que funciona para você
É importante que você preste atenção em si mesmo e em como você se sente enquanto estuda em casa para entender o que funciona para você. Porque a disciplina de estudar em casa é algo pessoal, e cabe a cada um descobrir, além dessas orientações gerais, qual é a maneira mais adequada para ela criar sua disciplina de estudos. Para cada pessoa existe um jeito, estudar em casa exige mais autoconhecimento para entender o que funciona melhor para você, o que funciona para uma pessoa é justamente o oposto do que funciona para a outra.
6-Tenha paciência/ Peça ajuda
A experiência de aulas não presenciais, na forma como está sendo imposta ao cenário brasileiro devido à crise do Covid-19, exigirá de paciência dos alunos com os imprevistos. Você precisará se adaptar e nem sempre é fácil para quem passou a vida inteira frequentando o ensino presencial, se você sentir dificuldade com a nova metodologia, sentir que não está entendendo ou não está conseguindo utilizar os recursos adequadamente, peça ajuda ao seu professor, coordenador. Muitas escolas estão fazendo o possível para garantir ferramentas, mas sem ao menos terem tempo hábil de testá-las ou capacitar as pessoas para seu uso. Sem falar que muitas vezes a tecnologia nos deixa na mão, então seja resiliente nesta hora.
7- Separe o material necessário
Deixe ao seu alcance somente o essencial para o estudo como lápis, borracha, canetas, marcadores, blocos de anotações, caderno e livros. Ter o material próximo evita a necessidade de para a todo momento as atividades para buscar algo e diminui a possibilidade de distrações.
8- Assista vídeo aulas / Use a internet a seu favor
Assista vídeo aulas para complementar o conteúdo o conteúdo estudado e ter uma variedade de explicações variadas para encontrar a linguagem que você entenda com nitidez. Mas sabemos que a realidade de muitos estudantes é diferente e nem todos têm suporte on-line para o período sem aulas presenciais, se for seu caso use os livros impressos e tenha foco.
A internet é a principal aliada do estudante que está em casa. O conteúdo on-line permite ao aluno procurar diferentes fontes de informação e complementar o que há nos livros didáticos de sua escola.
Tenha cuidado com as distrações na WEB
Não há dúvidas a internet é um importante aliado na sua rotina de estudos. Graças a ela, você tem acesso a qualquer informação à distância de um clique, não precisa mais carregar dezenas de livros da biblioteca para casa e pode até assistir aulas no YouTube.
O problema é usar a internet como uma desculpa para perder horas atualizando as suas redes sociais ou em sites que não estão ligados ao que é relevante para os seus estudos naquele momento.
Sobretudo o estudante que está em casa e pela qual tem a flexibilidade na realização de atividades e tarefas, pode haver uma série de deslizes, já que tende a procrastinar enquanto navega por outros sites ou quando desperdiça horas nas redes sociais, deixando as responsabilidades em 2º plano.
O ideal é que, antes de começar a estudar em casa, você separe uma lista do que precisa consultar para os estudos.
Dessa forma, procure organizar um cronograma de estudos e segui-lo com seriedade, reservando as horas certas do seu dia para se dedicar aos seus estudos e evitar perdas em sua aprendizagem.
Se não for usar desligue o smartphone e a TV e só utilize o computador para pesquisas extremamente necessárias. Durante as horas em que precisa se concentrar não se esqueça de avisar à sua família que aquele é o seu horário de estudos e que você não deve ser incomodado.
9- Estabeleça metas a serem cumpridas
Esse hábito ajuda a manter a organização e serve como motivação. Quando você completa suas metas, se sente movido a seguir estudando mais e mais.
O importante é que essas metas sejam realistas à sua rotina e às suas limitações. Não adianta tentar estudar 12 horas por dia se você não consegue se manter concentrado nem por 2 horas.
E, se perceber que o seu plano não está apresentando rendimentos, mude-o. Observe quais são as suas principais dificuldades e tente adaptá-lo de uma forma que você consiga superá-las e cumprir os seus objetivos de forma realmente produtiva.
10- Mantenha-se motivado e desenvolva a autonomia
Para cumprir as metas estabelecidas, manter-se motivado é crucial para que, ao longo dos dias, você não desista daquilo que estabeleceu cumprir.
Não adianta chegar do trabalho ou da escola depois de um dia cansativo e partir diretamente para os livros. Mesmo que você se dedique por horas e horas ao estudo, dificilmente conseguirá absorver aquele conteúdo se não estiver motivado.
Antes de começar, tome um banho, coma algo leve e se dedique inteiramente ao que estiver fazendo.
E o mais importante: não deixe de estudar. Até mesmo nos dias em que a sua motivação não ajudar, se dedique a fazer uma revisão de determinado conteúdo ou à leitura de textos mais leves. Motivação não é apenas um estado de espírito, e sim um hábito.
Outro fator de destaque e a autonomia que é uma característica muito importante a ser desenvolvida por quem decide estudar em casa.
Ela ajuda a manter o estudante esforçado, curioso e em constante aperfeiçoamento, seja por meio da busca exaustiva pelo conhecimento ou pela interação professores e colegas que estejam inseridos em seu processo de aprendizagem.
Dessa forma, habitue-se a tirar as suas dúvidas, busque realizar com excelência as atividades às quais se propuser e vá além do conhecimento oferecido pelos materiais que tiver em mãos, aprofundando sempre mais os seus estudos em prol do seu objetivo.
Afinal, o que definirá o sucesso do estudante é o seu grau de comprometimento com a sua formação.
O século XVIII na
Inglaterra foi um momento histórico fundamental para compreendermos atualmente
diversos valores hegemônicos e formas de organização da produção material em
nossa sociedade. Com o contexto das Revoluções Industrias, neste século se
encontra grande parte da gênese externa – na racionalização das relações
sociais de produção – e interna – no campo dos valores e comportamentos
orientados para a ação econômica – do que hoje se apresenta como a sociedade
capitalista ocidental (principalmente quando se refere ao continente americano
e ao oeste europeu).
Thompson, em Costumes em Comum, busca
olhar atentamente para este século e para as relações entre uma “cultura
tradicional” que se forma na reação à experiência dos indivíduos em sua
possivelmente natural conflituosidade com a nascente cultura industrial, e uma
“cultura industrial capitalista” imposta verticalmente pelas classes
hegemônicas:
Temos assim
um paradoxo característico daquele século: uma cultura tradicional que é, ao
mesmo tempo, rebelde. A cultura conservadora da plebe quase sempre resiste, em
nome do costume, às racionalizações e inovações da economia (tais como os
cercamentos, a disciplina do trabalho, os “livres” mercados não regulamentados
de cereais) que os governantes, os comerciantes ou os empregadores querem
impor. A inovação é mais evidente na camada superior da sociedade, mas como ela
não é um processo tecnológico/ social neutro e sem normas (“modernização”,
“racionalização”), mas sim a inovação do processo capitalista, é quase sempre
experimentada pela plebe como uma exploração, a expropriação de direitos de uso
costumeiros, ou a destruição violenta de padrões valorizados de trabalho e
lazer. Por isso a cultura popular é rebelde, mas o é em defesa dos costumes. (THOMPSON,
2016, p. 19)
Os costumes, como repetições
regulares das mesmas relações, defendidos por esta cultura que é popular e
também rebelde,
conferem sentido para a esfera subjetiva de dominação, para Evgeni Pachukanis.
O sujeito do século XVIII
não é passivo perante uma ideologia capitalista nascente que é imposta
verticalmente, ele a ressignifica e se adapta a ela a partir de sua
socialização imersa nos costumes sociais.
Apresentando a cultura
popular como rebelde, Thompson pauta uma reflexão de grande importância para
nos desvincularmos de uma visão natural para indivíduos imersos na cultura
resultante desse processo de formação capitalista: A naturalidade do mesmo. Em
diversos relatos escritos apresentados – como registros de “turbas” populares
pelas autoridades dos distritos ingleses, relatos de industriais sobre o
comportamento indisciplinado, irregular e a falta de sujeição econômica de seus
funcionários ou escritos de teóricos do comportamento ascético – é notável a
disputa de forças neste século ímpar de formação do sistema de valores que
alimentam e são alimentados pelo sistema de produção material capitalista e a
resistência dos indivíduos:
Em outro
sentido, os problemas são diferentes, e possivelmente mais agudos, porque o
processo do capitalismo e a conduta não econômica baseada nos costumes estão em
conflito, um conflito consciente e ativo, como que numa resistência aos novos
padrões de consumo (“necessidades”), às inovações técnicas ou a racionalização
do trabalho que ameaçam desintegrar os costumes e, algumas vezes, também a
organização familiar dos papéis produtivos. Por isso, podemos entender boa
parte da história social do século XVIII como uma série de confrontos entre uma
economia de mercado inovadora e a economia moral da plebe, baseada no costume.
(THOMPSON, 2016, p. 21)
Com a complexificação das
forças produtivas e das relações de comércio no decorrer do século, o número de
intermediários para se realizar uma mesma operação de compra e venda aumentou
gradativamente, tornando os procedimentos do mercado e taxas de lucratividade
menos transparentes. Isso possibilitou um maior espaço para especulação de
preços – mas em um contexto onde o raciocínio popular predominante era
contrário à especulação e a favor da regulação de preços em tempos de escassez
– o que gerou diversas revoltas populares na Inglaterra sobre os preços de
cereais e os movimentos de taxação popular de preços e expropriações diretas de
comerciantes especuladores. O que parte significativa da historiografia nomeia
como “motins” serviram então como mecanismos de regulação do lucro desenfreado
da lógica do “livre” mercado nascente.
A visão sobre a
artificialidade da formação de um comportamento racionalmente orientado para
fins econômicos encontra respaldo emMax Weber, para o qual somente uma
explicação religiosa permitiu às pessoas aceitarem esse processo de profundas
mudanças comportamentais e na organização social, que é irracional para o autor. Weber é
crítico no sentido de apontar a irracionalidade da ética
profissional, baseada numa racionalidade técnica extremamente eficiente para se
atingir fins que não necessariamente são racionais. Em seu livro A Reforma Protestante e o Espírito do
Capitalismo busca explicar o processo de passagem do
tradicionalismo econômico para o espírito do capitalismo, a partir da mudança
de prioridade no campo dos valores, mas sem reduzir essa transformação a um
processo monocausal:
E ainda
mais importante: a valorização religiosa do trabalho sistemático, contínuo e
incansável em uma profissão mundana, como o mais elevado meio para o ascetismo,
e, ao mesmo tempo, o mais certo e mais evidente comprovação do renascimento da
fé genuína, devem ter sido a mais poderosa alavanca para a expansão daquela
atitude perante a vida, a que chamamos espírito do capitalismo. (WEBER,
2016, p. 251)
O comportamento ascético
citado é um dos aspectos presentes no processo de gênese capitalista que mais
influência as relações de trabalho atuais e as legislações nos sistemas
jurídicos, que para o autor são formas fundamentais que a partir do processo de
racionalização os Estados Modernos utilizariam para organizar-se
burocraticamente. O ascetismo caracteriza-se como um comportamento metódico
fundamentalmente baseado no autocontrole individual, na disciplina, resultando
em uma quase negação das relações mundanas, que são reorientadas para objetivos
econômicos, para o trabalho.
A Reforma Protestante tirou
os intermediários da salvação colocando o próprio indivíduo como o agente que
pode promover sua própria salvação, mas um agente que possui um destino de
dever no mundo – com origem religiosa – que quando perdida no
processo histórico de desmagificação[1] do mundo, deixa só o
efeito: o trabalho passa a valer com um fim em si mesmo. A racionalidade econômica
que existe hoje não veio naturalmente de uma identificação dos agentes com a
própria ação econômica, teve-se que passar por “outra coisa”, que, para Weber,
foi a religião – que deu uma base moral para a própria ideia de trabalho,
que vai se distanciando da religião voltando para a economia como um fim em si
mesmo:
“O
entesouramento produziu o sentimento de que o trabalho é produtivo; a sabedoria
da cigarra imprevidente e da formiga ascética. No capitalismo primitivo, o
trabalho era um meio para a vida e para a previdência. No capitalismo moderno,
graças ao ascetismo protestante, o trabalho se tornou um fim em si mesmo, um
dever; não uma disposição prática.” (THIRY-CHERQUES, H. R., 2009,
p. 908)
A racionalização do trabalho ao
longo do século XVIII, XIX e XX o desencantou, o deixou vazio de valores e
legitimado por seus próprios meios racionais. Com o advento do século XX, em
que o mundo do trabalho se consolidou como algo liberto das variáveis da
natureza – mecanizando os movimentos humanos e sincronizando-os às máquinas com
o advento do fordismo-taylorismo – a humanidade passava por um período de forte
polarização ideológica e de organização material da produção. Os conflitos
entre Capital e trabalho se agudizam ainda mais.
Neste contexto surge, em 1919, a Organização Internacional do Trabalho
(OIT) com uma proposta de mediação dos conflitos entre capital
e trabalho – da qual o
Brasil é membro fundador – e é responsável pela formulação das
legislações internacionais referentes ao trabalho. As recomendações, convenções
e legislações são ratificadas pelas decisões soberanas de cada país,
ingressando então em seu ordenamento jurídico. O Brasil ratificou algumas
convenções internacionais da Organização, como a consulta prévia e o diálogo
social.
Durante o regime do Estado
Novo varguista, em 1938, foi elaborada a “Exposição de Motivos da Comissão
Elaboradora do Projeto de Organização da Justiça do Trabalho”, composta por
Oliveira Viana, Luiz Augusto de Rego Monteiro, Deodato Maia, Oscar Saraiva,
Geraldo Faria Baptista e Helvecio Xavier Lopes. A comissão tinha como objetivo delinear os objetivos e
circunstâncias de aparecimento dessas novas instituições jurídicas na realidade
social brasileira. Em 1941 surge no Brasil a Justiça do Trabalho, que
desde sua gênese contou com forte resistência de intelectuais
e políticos, e, partindo da hipossuficiência do trabalhador perante o
empresário, buscou por mediar as relações entre ambos.
A abrangência da legislação
trabalhista seguiu avançando – e encontrando fortes resistências em setores
diversos da sociedade – durante o Estado Novo com a Consolidação das Leis de Trabalho
(CLT) em 1º de Maio de 1943.
Este estatuto visava
estabelecer um patamar
mínimo de dignidade aos trabalhadores e trabalhadoras, ao
legislar sobre itens fundamentais como a duração da jornada de trabalho,
salário-mínimo, previdência social, férias, regulamentação de sindicatos e
proteção ao trabalho da mulher.
Por outro
lado, no que diz respeito às relações coletivas de trabalho, não há como negar
que o Estado Novo brasileiro tenha tentado anular – ao invés de mediar – os conflitos,
incorporando e neutralizando totalmente os sindicatos, proibindo violentamente
a greve, etc. As características de inspiração realmente
corporativistas/fascistas do Trabalhismo de Vargas encontraram-se no âmbito do
Direito Coletivo e no papel que a Justiça do Trabalho teve de desempenhar com
relação a ele no auge da Ditadura. (FRANCO, 2017)
Em um cenário mais próximo
da atualidade, podemos perceber a importância da CLT no que tange, por
exemplo, à fiscalização
ao trabalho escravo – que nos últimos anos libertou milhares
de trabalhadores em condição análoga à escravidão, principalmente em grandes
latifúndios – regulamentando as formas de fiscalização e atuação do Ministério
do Trabalho.
Por tratar de itens tão
fundamentais das relações de trabalho fica claro o motivo de que a reforma
trabalhista mais recente, uma grande inflexão nas relações entre capital e
trabalho realizada pelo governo de Michel Temer, altere diretamente este
estatuto. São alterações diretas a pontos fundamentais do que é hoje, apesar de
todas as fundamentadas críticas que lhes são dirigidas, a maior proteção jurídica existente aos
trabalhadores.
O ataque à Justiça do
Trabalho, que apesar das constantes tentativas de esvaziamento normativo e
precarização, consegue fornecer atendimento gratuito para trabalhadoras e
trabalhadores explorados para
além dos limites jurídicos vigentes, é evidente nas mudanças
recentes. Tal fato se explica pela própria atuação dessa instância, já que
chega a causar bilhões de reais de prejuízos
– em ações trabalhistas – todos os anos para as grandes
empresas e fornece a milhares de trabalhadores indenizações por acidentes de
trabalho, danos morais e descumprimento de deveres por parte dos empregadores
como um todo.
Conclusão:
A relação conflituosa no
contexto das duas primeiras Revoluções Industriais entre a cultura costumeira enraizada
no cotidiano das cidades inglesas e a cultura-industrial nascente,
verticalmente imposta, retratada por Thompson,
demonstra a artificialidade do processo de consolidação do sistema material e
ideológico de produção capitalista.
Analisando este mesmo
período, mas sob uma perspectiva do campo dos valores que influenciam na ação
econômica, Weber também
demonstra a artificialidade do processo e a formação do comportamento ascético
orientado para o trabalho. O autor chega a reconhecer a
irracionalidade da ética profissional capitalista e apresenta a religião como
um dos fatores que forneceram uma base moral para a própria ideia de trabalho,
principalmente ao analisar o contexto da Reforma Protestante.
A partir da análise
histórica realizada por esses dois autores é possível concluir a essencialidade
do comportamento ascético artificialmente criado para o funcionamento otimizado
da produção material capitalista e o consequente interesse das classes
dominantes em fomentar esta atitude nos trabalhadores. Com esse raciocínio
torna-se compreensível a recorrência de influências desta forma comportamental
nas legislações que visam disciplinar os trabalhadores.
Com a mais recente Reforma
Trabalhista, a tentativa de minar o Direito do Trabalho é latente com a
limitação da atuação desta instância e o ataque a gratuidade dos seus serviços.
A precarização nas relações de trabalho é visível pela perda de direitos
básicos garantidos pela CLT, com a prevalência da negociação sobre a
legislação, forçando massas trabalhadoras em situação de vulnerabilidade social
a aceitarem trabalhos em condições precárias.
Hugo Goulart de Faria é estudante de
Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e de Direito
pela Universidade do Vale do Paraíba (UNIVAP).
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AULA DIA 27-05 – GEOGRAFIA/PROF. PAULO
MÃO-DE-OBRA NO CAPITALISMO
A ideia de que, no capitalismo, os trabalhadores são “explorados”
atenta contra a lógica
Por que não faz sentido exigir que o
trabalhador receba o "valor integral" de sua produção
Foi Karl Marx quem popularizou a ideia de que
os capitalistas exploram os trabalhadores. E os capitalistas fazem isso se
"apropriando" de uma parte do trabalho de seus empregados.
O argumento é relativamente simples: o
capitalista remunera o trabalhador com $100. Este trabalhador gera mercadorias,
e essas mercadorias são vendidas por $120. Segundo Marx, este lucro só é
possível de ocorrer porque uma parte do trabalho não foi remunerada pelo
capitalista — no caso, os $20.
Esses $20 seriam exatamente a
"mais-valia", que é a mensuração da "exploração laboral".
Ou seja, o trabalhador prestou um serviço
para o capitalista e não obteve a "devida" remuneração. Sua
remuneração foi menor do que o valor total que ele gerou para o capitalista.
Consequentemente, o capitalista, que não
efetua trabalho físico, reteve para si uma parte do valor dos produtos que os
trabalhadores produziram, e ele consegue fazer isso graças ao seu monopólio dos
meios de produção (a fábrica e as máquinas que o trabalhador utilizou para
produzir o bem).
Logo, estando estes bens de produção em
propriedade do capitalista e não do trabalhador, o trabalhador tem de se
sujeitar às demandas do capitalista, aceitando entregar ao capitalista uma
fatia daquilo que sua mão-de-obra produz — caso contrário, morrerá de fome no
frio.
Desta maneira, ao pagar ao trabalhador um
salário menor que o valor total por ele produzido, o capitalista está
"roubando" uma parte da mão-de-obra do trabalhador.
Esta é a origem da noção marxista de
"renda imerecida", que seria a renda que não decorre de ter de
trabalhar e produzir, mas simplesmente de se ser o proprietário de um negócio
privado que emprega trabalhadores, que são aqueles que realmente fazem todo o
trabalho.
O capitalista, nesta concepção, não faz nada.
Apenas vive da exploração do trabalho dos outros, enquanto fica sentado em seu
escritório, com seus pés sobre a escrivaninha, fumando um charuto.
A solução de Marx? Confiscar os meios
de produção da burguesia e repassá-los aos trabalhadores para que estes possam
reter o produto integral do seu trabalho sem que haja intermediários
capitalistas que se apropriem de parte do suor dos trabalhadores.
Sem o
capitalista, não há mão-de-obra bem remunerada
Começando pelo básico
De onde vêm os empreendimentos nos quais os
trabalhadores são empregados?
Como a fábrica ou a empresa foi construída?
De onde vem o capital — as máquinas, ferramentas e equipamentos — das fábricas
e empresas, com o qual os trabalhadores contratados realizam seu trabalho para
produzir os bens que eventualmente estarão disponíveis para os consumidores
comprarem?
De onde vêm os recursos que garantem o
pagamento dos salários dos trabalhadores?
Alguém necessariamente teve de poupar uma
parte dos rendimentos obtidos no passado para, então, utilizar esses recursos
poupados na construção da empresa e no seu aparelhamento com todos os bens de
capital necessários — sem os quais o trabalho de qualquer trabalhador seria
consideravelmente muito menos produtivo, com muito menos quantidades
produzidas, e muito mais imperfeito em sua qualidade.
O empreendedor que inicia um empreendimento
tem necessariamente de ou ter economizado os fundos necessários para cobrir
suas próprias despesas de investimento ou ter tomado emprestado de outros que
pouparam o necessário.
Logo, sem o capitalista para financiar e sem
o empreendedor para empreender, o trabalhador não teria à sua disposição as
máquinas, as ferramentas e todos os bens de capital que possibilitam seu
trabalho, que o tornam mais produtivo, e que aumentam seu valor.
Mas isso ainda é o de menos.
A incontornável questão da preferência
temporal
Eis a questão mais crucial de todas: os
trabalhadores que os empreendedores e capitalistas empregam não precisam
esperar até que os bens sejam produzidos e realmente vendidos para receberem
seus salários.
Os capitalistas adiantam bens presentes
(salários) aos trabalhadores em troca de receber — somente quando o processo de
produção estiver finalizado — bens futuros (retorno do investimento). Existe
necessariamente uma diferença de valor entre os bens presentes dos quais os
capitalistas abrem mão (seu capital investido na forma de salários e
maquinário) e os bens futuros que eles receberão (se é que receberão).
São muitas as pessoas que não entendem
corretamente esse conceito de que os capitalistas adiantam bens presentes para
receber, após muito tempo, bens futuros. No entanto, basta verificar os
balancetes de qualquer empresa para verificar esse fenômeno. Por exemplo,
a General Electric investiu (adiantou) US$685 bilhões para recuperar, na forma
de fluxo de caixa anual, aproximadamente US$35 bilhões. Ou seja, os
capitalistas da GE abriram mão de US$685 bilhões (e seu equivalente em bens de
consumo que eles poderiam ter adquirido no presente) para receber, anualmente,
uma receita de US$35 bilhões.
Nesse ritmo, serão necessários 20 anos apenas
para recuperar todo o capital adiantado.
A pergunta é: os capitalistas que adiantam
$685 bilhões — que se abstêm de consumi-los e que incorrem em risco para
recuperá-los — não deveriam receber nenhuma remuneração por isso? Será que
durante os próximos 20 ou 30 anos eles deveriam se contentar apenas em
recuperar — isso se tudo der certo — tão-somente os $685 bilhões de que abriram
mão, sem receber nenhuma remuneração pelo seu tempo de espera e pelo risco em
que incorreram?
Quem pensa assim está, na prática, dizendo
que ter $1.000 hoje é o mesmo que ter $1.000 apenas daqui a 500 anos (e
assumindo zero de inflação de preços).
E este é exatamente o raciocínio por trás de
toda a análise marxista da exploração capitalista. O que há de errado,
portanto, com a teoria da exploração é que ele não compreende o fenômeno
da preferência temporal como uma categoria universal da ação humana.
A "mais-valia" não é a apropriação
de um tempo de trabalho não-remunerado, mas sim o juro derivado do tempo de
espera e do risco assumido até que o processo produtivo esteja concluído.
Os capitalistas, ao adiantarem seu capital e
sua poupança para todos os seus fatores de produção (pagando os salários da
mão-de-obra e comprando maquinário), esperam ser remunerados pelo tempo de
espera e pelo risco que assumem. Por outro lado, os trabalhadores, ao
receberem seu salário no presente, estão trocando a incerteza do futuro pelo
conforto da certeza do presente.
O fato de o trabalhador não receber o
"valor total" da produção futura nada tem a ver com
exploração; simplesmente reflete o fato de que é impossível o homem trocar bens
futuros por bens presentes sem que haja um desconto. O pagamento salarial
representa bens presentes, ao passo que os serviços de sua mão-de-obra representam
apenas bens futuros.
A relação trabalhista, portanto, é apenas uma
relação de troca entre bens presentes (o capital e a poupança do capitalista)
por bens futuros (bens que serão produzidos pelos trabalhadores e pelo
maquinário utilizado, mas que só estarão disponíveis no futuro).
O economista austríaco Eugen von Böhm-Bawerk
expressou tudo isso de maneira bem mais resumida: "Parece-me justo que os
trabalhadores cobrem o valor integral dos frutos futuros do seu trabalho; mas
não é justo eles cobrarem a totalidade desse valor futuro 'agora'."
Empreendedores
e capitalistas arcam com a incerteza de planejar para o futuro
Os trabalhadores e todos os demais ligados ao
processo de produção recebem seu pagamento enquanto o trabalho está sendo
feito. Já o empreendedor arca com toda a incerteza sobre se irá ganhar ou não o
suficiente com a venda de seus produtos para cobrir todas as despesas nas quais
incorreu. Ele, aliás, nem sequer sabe se conseguirá vender seu produto.
Ao pagar aos seus empregados os salários que
foram acordados por contrato, o empreendedor os alivia da incerteza a respeito
de se, no final do processo, haverá lucro, prejuízo, ou se a empresa ficará no
zero a zero.
É o empreendedor quem tem de fazer os
julgamentos especulativos e criativos sobre o que produzir e a que preços seus
produtos poderão ser vendidos. A precisão deste juízo empreendedorial em
conseguir antecipar melhor do que seus concorrentes aquilo que seus
consumidores podem querer comprar no futuro, bem como os preços que poderão
pagar por esses bens, é o que determinará o sucesso ou fracasso de seu
empreendimento.
Sem o empreendedor e o capitalista para
organizar, financiar e dirigir o empreendimento, seus empregados não teriam
trabalho e nem receberiam salários antes que um único produto fosse fabricado e
vendido.
Portanto, o empreendedor não é somente o
organizador da empresa e o investidor que faz tudo acontecer; ele também é quem
irá arcar com as consequências caso não obtenha um lucro pelos seus esforços
empresariais.
Conclusão
Por tudo isso, não faz sentido dizer que o
capital explora o trabalhador. A realidade é oposta: o capital não só aumenta o
valor da mão-de-obra do trabalhador — ao fornecer as máquinas e
ferramentas de que ele necessita para produzir bens e serviços que os
consumidores valorizam e compram voluntariamente — como ainda o alivia da
incerteza do futuro.
Não fosse o capital disponibilizado pelos
capitalistas e empreendedores (maquinário, ferramentas, matéria prima, insumos,
instalações etc.), a mão-de-obra não teria como produzir estes bens de
demandados pelos consumidores. Consequentemente, os trabalhadores nem sequer
teriam renda — ao menos, não tão alta quanto a possibilitada pelos
capitalistas.
MAIS-VALIA
A acepção da mais-valia está associada à
exploração da mão de obra assalariada, em que o capitalista recolhe o excedente
da produção do trabalhador como lucro.
♦ Capitalismo,
trabalho assalariado e valor de troca
A mais-valia é o termo utilizado
por Karl Marx em alusão ao processo de exploração da mão de obra assalariada
que é utilizada na produção de mercadorias. Trata-se de um processo de extorsão
por meio da apropriação do trabalho excedente na produção de produtos com valor
de troca. Para entendermos melhor, precisamos considerar que Marx via o
trabalho como:
“(...) um processo de que participam o homem
e a natureza, processo em que o ser humano com sua própria ação impulsiona,
regula e controla seu intercâmbio material com a natureza. Defronta-se com a
natureza como uma de suas forças. Põe em movimento as forças naturais de seu
corpo, braços e pernas, cabeça e mãos, a fim de apropriar-se dos recursos da
natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana. Atuando assim sobre a
natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza.
Desenvolve as potencialidades nela adormecidas e submete ao seu domínio o jogo
das forças naturais.”*
Portanto, o trabalho era o ato
definidor do homem, seu meio direto de interação com o mundo e, ainda
mais importante, a forma como garantiria sua sobrevivência no mundo anterior ao
período vivido por Marx, isto é, um mundo agrário onde o ser humano tinha
ligação direta com a terra, de onde tirava seu sustento. Porém, isso se
modificou na nova sociedade que surgiu no período que sucedeu a Revolução
Industrial, que se baseou no sistema econômico do capitalismo.
Para Marx, o capitalismo baseia-se na relação
entre trabalho assalariado e capital, mais especificamente na
produção do capital por meio da expropriação do valor do
trabalho do proletário pelos donos dos meios de produção. A esse fenômeno
Marx deu o nome de mais-valia.
Todavia, antes de entendermos o conceito da
mais-valia, é preciso entender que, assim como outros teóricos da economia,
como Adam Smith e David Ricardo, Karl Marx sustentava a ideia de que o valor
de troca de uma mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho aplicado
em sua produção. O próprio trabalho, de acordo com Marx, possui valor agregado,
que é determinado pelo valor dos meios de subsistência (comida, habitação,
transporte etc.) necessários para que o trabalhador sobreviva. Dessa forma,
todo trabalho empregado na produção de um sapato, por exemplo, agrega custos em
seu valor de troca final.
Nesse processo, a força de trabalho comprada
pelo proprietário dos meios de produção por meio do salário pago ao trabalhador
também se torna uma mercadoria, que é comprada para que o
produto seja manufaturado. No curso da produção, o trabalho utilizado na
produção agrega valor ao produto final, que é vendido pelo
capitalista pelo valor de troca determinado pelo mercado.
Entretanto, não é suficiente para o
capitalista que o valor de venda do produto seja igual ao valor que ele
investiu inicialmente. O dono dos meios de produção deseja obter lucros, o
que não pode fazer vendendo o produto mais caro do que seu preço de mercado. O
trabalhador, por sua vez, espera receber pela quantidade de trabalho que
empregou na produção da mercadoria em questão. É aqui que Marx verifica o
fenômeno da mais-valia. O empregador, para que obtenha lucro em sua transação,
exige uma quantidade maior de força de trabalho do que paga para
o trabalhador, que se vê obrigado a trabalhar além do que lhe é pago, pois só
receberá seu salário se cumprir com o que foi proposto.
♦
Mais-valia absoluta e Mais-valia relativa
A partir do conceito de mais-valia, Marx fez
distinção de duas formas de extorsão da força de trabalho: a mais-valia
absoluta e a mais-valia relativa.
A mais-valia absoluta ocorreria em
função do aumento do ritmo de trabalho, da vigilância sobre o processo de
produção ou mesmo da ameaça da perda do trabalho caso determinada meta não
fosse alcançada, ainda que em detrimento da saúde e do bem-estar do
trabalhador. O empregador exige maior empenho na produção sem oferecer nenhum
tipo de compensação em troca e recolhe o aumento da produção de excedentes em
forma de lucro.
Já a mais-valia relativa estaria
ligada ao processo de avanço científico e do progresso tecnológico. Uma vez que
não consegue mais aumentar a produção por meio da maior exigência de seus
empregados, o capitalista lança mão de melhorias tecnológicas para acelerar o
processo de produção e aumentar a quantidade de mercadoria produzida. Esse
processo acontece sem que, no entanto, seja oferecida qualquer bonificação ao
trabalhador. Este passa ser aos poucos substituído pelo maquinário tecnológico,
de modo que a quantidade de trabalho social é diminuída e a mão de obra humana
é trocada por uma mão de obra mecânica.
Entre o arcabouço teórico das obras
marxistas, o conceito de mais-valia é central para a discussão sobre as
relações de trabalho que surgiram nas sociedades capitalistas. As obras de Karl
Marx, mais especificamente seu trabalho mais citado, “O capital”, foram
enormes empreendimentos dedicados à compreensão das profundas relações
existentes na nova configuração social que surgiu em seu tempo. Marx, assim
como outros estudiosos de sua época, estava preocupado com os novos problemas
sociais que se agravavam nos centros urbanos. Sua proximidade com os movimentos
trabalhistas da época influenciou profundamente seus trabalhos e sua forma de
abordagem dos fenômenos associados à nova configuração do sistema econômico que
surgia.
_______________________________________________
AULA DIA 20-05 – GEOGRAFIA/PROF. PAULO
O
Capital
Crítica da Economia Política
Karl Marx
Livro Primeiro: O
processo de produção do capital
Terceira Seção: A
produção da mais-valia absoluta
Quinto capítulo.
Processo de trabalho e processo de valorização
1. Processo de
trabalho
O uso da força de
trabalho é o próprio trabalho. O comprador da força de trabalho consome-a na
medida em que faz trabalhar o seu vendedor. Este último torna-se assim actu(1*), força de trabalho
actuante, operário — o que antes ele apenas potentia(2*) era. Para
manifestar o seu trabalho em mercadorias tem de manifestá-lo antes de tudo em
valores de uso, coisas que servem para a satisfação de necessidades de qualquer
espécie. O que um capitalista manda fazer ao operário, um determinado artigo, é
portanto um valor de uso particular. A produção de valores de uso ou bens não
modifica a sua natureza universal por se processar a favor do capitalista e sob
o seu controlo. O processo de trabalho é, pois, de considerar, antes de mais,
independentemente de qualquer forma social determinada.
O trabalho é, antes
de mais, um processo entre homem e Natureza, um processo em que o homem medeia,
regula e controla a sua troca material com a Natureza através da sua própria
acção. Ele faz face à própria matéria da Natureza como um poder da Natureza.
Ele põe em movimento as forças da Natureza que pertencem à sua corporalidade —
braços e pernas, cabeça e mão — para se apropriar da matéria da Natureza numa
forma utilizável para a sua própria vida. Ao actuar, por este movimento, sobre
a Natureza fora dele e ao transformá-la transforma simultaneamente a sua própria
natureza.
Desenvolve as
potências nela adormecidas e submete o jogo das suas forças ao seu próprio
domínio. Não estamos aqui a tratar das primeiras formas de trabalho,
animalescamente instintivas. Do estado em que o operário, enquanto vendedor da
sua força de trabalho própria, entra no mercado das mercadorias, distancia-se,
em pano de fundo primevo, o estado em que o trabalho humano ainda não se tinha
descartado da sua primeira forma instintiva. Nós supomos o trabalho numa forma
em que ele pertence exclusivamente ao homem. Uma aranha realiza operações que
se assemelham às do tecelão e uma abelha, através da construção dos seus
alvéolos de cera, envergonha muitos mestres-de-obras humanos. O que, porém, de
antemão distingue o pior mestre-de-obras da melhor abelha é que ele construiu o
alvéolo na sua cabeça antes de o construir em cera. No fim do processo de
trabalho obtém-se um resultado que, no começo do mesmo, já na ideia do
operário, portanto, já idealmente, se achava presente. Não que ele apenas opere
uma modificação de forma do natural; ele realiza, ao mesmo tempo, no natural o
seu objectivo, que ele conhece, e que determina como lei o modo do seu agir e
ao qual ele tem de subordinar a sua vontade. E esta subordinação não é nenhum
acto isolado. Para além do esforço dos órgãos que trabalham é requerida, para
toda a duração do trabalho, a vontade conforme ao objectivo, que se exterioriza
como atenção, e é tanto mais requerida quanto menos ele — pelo próprio conteúdo
e o modo da sua execução — entusiasma o operário, quanto menos este desfrute
daquele como jogo das suas próprias forças corporais e espirituais.
Os momentos simples
do processo de trabalho são a actividade conforme ao objectivo, ou o próprio
trabalho, o seu objecto e o seu meio.
A terra (na qual
economicamente também a água está compreendida), tal como originariamente
abastece o homem de víveres, meios de vida [já] prontos(3*), apresenta-se, sem a
sua intervenção, como o objecto universal do trabalho humano. Todas as coisas
que o trabalho apenas destaca da sua conexão imediata com o todo terrestre são
por natureza objectos de trabalho que se lhe apresentam. Assim sucede com o
peixe que é separado, capturado do seu elemento de vida, a água; com a madeira
que é cortada na floresta virgem; com o minério que é extraído do seu filão.
Se, pelo contrário, o objecto de trabalho se encontra já, por assim dizer,
filtrado por trabalho anterior, então chamamos-lhe matéria-prima. Por exemplo,
o minério já extraído, que agora é lavado. Toda a matéria-prima é objecto de
trabalho, mas nem todo o objecto de trabalho é matéria-prima. O objecto de
trabalho só é matéria-prima quando já experimentou uma modificação mediada por
trabalho.
O meio de trabalho é
uma coisa ou um complexo de coisas que o operário interpõe entre si e o objecto
de trabalho e que lhe servem de guia da sua actividade sobre este objecto. Ele
utiliza as propriedades mecânicas, físicas, químicas das coisas para as fazer
agir como meios de poder sobre outras coisas conforme o seu objectivo(4*). O objecto do qual o
operário imediatamente se apodera — abstraindo da tomada de meios de vida [já]
prontos, de frutos p. ex., em que os seus próprios órgãos corporais servem, por
si sós, de meios de trabalho — não é o objecto de trabalho, mas o meio de
trabalho. Assim o próprio natural torna-se órgão da sua actividade, um órgão
que ele acrescenta aos seus próprios órgãos corporais, prolongando a sua figura
natural, apesar da Bíblia. Assim como a terra é a sua despensa originária, ela
é o seu arsenal originário de meios de trabalho. Ela fornece-lhe, p. ex., a
pedra, com a qual ele atira, esfrega, esmaga, corta, etc. A própria terra é um
meio de trabalho; contudo, pressupõe ao seu serviço, como meio de trabalho na
agricultura, de novo toda uma série de outros meios de trabalho e um
desenvolvimento já relativamente elevado da força de trabalho(5*). Logo que, em geral,
o processo de trabalho está em alguma medida desenvolvido precisa já de meios
de trabalho elaborados. Nas mais antigas cavernas humanas encontramos
instrumentos de pedra e armas de pedra. Ao lado da pedra, da madeira, do osso,
das conchas trabalhadas, o animal criado, domesticado — ele próprio, pois, já
modificado por trabalho — desempenha, no começo da história humana, o papel
principal como meio de trabalho(6*). O uso e a criação
de meios de trabalho, apesar de em germe ser já próprio de certas espécies
animais, caracterizam o processo de trabalho especificamente humano, e Franklin define
assim o homem como «a toolmaking animal», um animal que
fabrica instrumentos. A mesma importância que tem a estrutura dos vestígios de
ossos para o conhecimento da organização de géneros animais extintos, têm os
vestígios de meios de trabalho para o ajuizamento de formações económicas da
sociedade extintas. O que distingue as épocas económicas(7*) não é o que é
feito, mas como, com que meios de trabalho é feito. Os meios de trabalho são
não apenas medidores do grau de desenvolvimento da força de trabalho humana,
mas também indicadores das relações sociais em que se trabalha. Entre os
próprios meios de trabalho, os meios de trabalho mecânicos — a cuja totalidade
se pode chamar o sistema ósseo e muscular da produção — oferecem marcas características
muito mais decisivas de uma época social de produção do que aqueles meios de
trabalho que apenas servem de reservatórios do objecto de trabalho e cuja
totalidade dum modo geral pode ser designada como o sistema vascular da
produção, como, p. ex., tubos, pipas, cestos, bilhas, etc. Só na fabricação
química eles desempenham um papel significativo(8*).
Em sentido mais
amplo, o processo de trabalho conta entre os seus meios — fora as coisas que
medeiam a acção do trabalho sobre o seu objecto e servem, portanto, de um modo
ou de outro, como guias da actividade — todas as condições objectivas que são
afinal requeridas para que o processo tenha lugar. Elas não entram directamente
nele, mas ele sem elas não pode de modo algum ou pode apenas imperfeitamente
processar-se. O meio de trabalho universal desta espécie é, de novo, a própria
terra, pois ela dá ao operário o locus standi(9*) e ao seu
processo o campo de acção (field of employment). Meios de
trabalho desta espécie, já mediados pelo trabalho, são, p. ex., edifícios de
trabalho, canais, ruas, etc.
No processo de
trabalho, a actividade do homem através do meio de trabalho opera, pois, uma
modificação do objecto de trabalho que de antemão visa um fim. O processo
extingue-se no produto. O seu produto é um valor de uso, uma matéria da
Natureza apropriada às necessidades humanas por modificação de forma. O
trabalho uniu-se com o seu objecto. Aquele está objectivado e o objecto está
elaborado. O que, pelo lado do operário, aparecia na forma do não-repouso,
aparece agora, pelo lado do produto, como propriedade em repouso, na forma do
ser. Ele fiou e o produto é um fio.
Se considerarmos todo
o processo do ponto de vista do seu resultado, do produto, então ambos — meio
de trabalho e objecto de trabalho — aparecem como meios de produção(10*) e o próprio
trabalho como trabalho produtivo(11*).
Quando um valor de
uso resulta do processo de trabalho como produto, entram nele outros valores de
uso — produtos de anteriores processos de trabalho — como meios de produção. O
mesmo valor de uso que é produto deste trabalho forma o meio de produção
daquele trabalho. Os produtos não são, pois, apenas resultado, mas
simultaneamente condição do processo de trabalho.
A excepção da
indústria extractiva — como a mineração, a caça, a pesca, etc, (a agricultura
apenas na medida em que, em primeira instância, arroteia a própria terra
virgem) —, cujo objecto de trabalho é dado pela Natureza, todos os ramos da
indústria tratam um objecto que é matéria-prima, i. é, objecto de trabalho já
filtrado pelo trabalho, já ele próprio produto do trabalho. Assim, p. ex., a
semente na agricultura. Animais e plantas, que se costumam considerar como
produtos da Natureza, são não só produtos talvez do trabalho do ano anterior,
mas, nas suas formas actuais, são produtos de uma transformação continuada por
muitas gerações sob controlo humano, por intermédio de trabalho humano.
Todavia, no que respeita particularmente aos meios de trabalho, a sua imensa
maioria mostra, ao olhar mais superficial, o vestígio de trabalho passado.
A matéria-prima pode
formar a substância principal de um produto ou apenas entrar como matéria auxiliar
na sua formação. A matéria auxiliar é consumida pelo meio de trabalho, tal como
o carvão pela máquina a vapor, o óleo pela roda, o feno pelo cavalo de tiro; ou
acrescentado à matéria-prima para aí operar uma modificação material, como o
cloro para o pano não branqueado, o carvão para o ferro, a tinta para a lã; ou
apoia a realização do próprio trabalho, como, p. ex., as matérias empregues
para a iluminação e aquecimento do local de trabalho. A diferença entre matéria
principal e matéria auxiliar dissipa-se na fabricação química propriamente
dita, dado que nenhuma das matérias-primas empregues volta a aparecer como a
substância do produto(12*).
Dado que cada coisa
possui variadas propriedades e é, portanto, capaz de aplicação útil diversa, o
mesmo produto pode constituir matéria-prima de processos de trabalho muito
diversos. O cereal, p. ex., é matéria-prima para o moleiro, o fabricante de
amido, o destilador, o criador de gado, etc. Como semente, torna-se
matéria-prima da sua própria produção. Assim o carvão sai da indústria mineira
como produto e entra nela como meio de produção.
O mesmo produto pode,
no mesmo processo de trabalho, servir como meio de trabalho e matéria-prima. Na
engorda, p. ex., onde o gado — a matéria-prima elaborada — é simultaneamente
meio de preparação do estrume.
Um produto que existe
numa forma pronta para consumo pode de novo tornar-se matéria-prima de um outro
produto, como a uva em matéria-prima do vinho. Ou o trabalho liberta o seu
produto em formas em que ele só é novamente utilizável como matéria-prima.
Matéria-prima neste estado chama-se semifabricado e melhor se chamaria
fabricado por fases, como, p. ex., algodão, linha, fio, etc. Embora ela mesma
seja já produto, a matéria-prima originária pode ter de percorrer todo uma
escala de diversos processos, em que ela em figura sempre modificada funciona
sempre de novo como matéria-prima até ao último processo de trabalho, que se
desfaz dela como meio de vida pronto ou meio de trabalho pronto.
Como se vê, que um
valor de uso apareça como matéria-prima, meio de trabalho ou produto, depende
totalmente da sua função determinada no processo de trabalho, do lugar que nele
ocupa e com a mudança deste lugar mudam aquelas determinações.
Pela sua entrada como
meios de produção em novos processos de trabalho, os produtos perdem, pois, o
carácter de produto. Eles funcionam apenas como factores objectivos do trabalho
vivo. O fiandeiro trata o fuso apenas como meio com o qual fia, o linho apenas
como objecto que ele fia. Sem dúvida, não se pode fiar sem material de fiar e
fuso. A presença destes produtos(14*) está, pois,
pressuposta no início da fiação. Todavia, é indiferente neste processo que
linho e fuso sejam produtos de trabalho passado, tal como no acto da nutrição é
indiferente que o pão seja produto dos trabalhos passados do camponês, do
moleiro, do padeiro, etc. Inversamente. Se os meios de produção, no processo de
trabalho, fazem valer o seu carácter como produtos de trabalho passado,
fazem-no através dos seus defeitos. Uma faca que não corta, um fio que
constantemente se rompe, etc, recordam vivamente o cuteleiro A e
o encerador de fio E. No produto bem feito, a mediação das
suas propriedades de uso por trabalho passado está apagada.
Uma máquina que não
serve no processo de trabalho é inútil. Além disso, rui sob o poder destruidor
da troca material natural. O ferro enferruja, a madeira apodrece. Fio que não é
tecido nem feito em malha é algodão estragado. O trabalho vivo tem de agarrar
nestas coisas, ressuscitá-las dos mortos, transformá-las de valores de uso
apenas possíveis em valores de uso reais e actuantes. Lambidas pelo fogo do
trabalho, assimiladas como corpos desse mesmo trabalho, animadas para as suas
funções conceptuais e vocacionais no processo, elas são também consumidas, mas
com finalidade, como elementos de formação de novos valores de uso, de novos
produtos, que são capazes de entrar como meios de vida no consumo individual
ou, como meios de produção, num novo processo de trabalho.
Se, pois, produtos
dados não são apenas resultados, mas também condições de existência do processo
de trabalho, por outro lado, o único meio de conservar e realizar estes
produtos de trabalho passado como valores de uso é lançá-los nele, portanto, é
o seu contacto com trabalho vivo.
O trabalho consome os
seus elementos materiais, o seu objecto e os seus meios, digere-os e é, pois,
processo de consumo. Este consumo produtivo distingue-se do consumo individual
por o último consumir os produtos como meios de vida do indivíduo vivo, o
primeiro como meios de vida do trabalho, da sua força de trabalho actuante. O
produto do consumo individual é, portanto, o próprio consumidor, o resultado do
consumo produtivo é um produto distinto do consumidor.
Na medida em que os
seus meios e o seu objecto são eles próprios já produtos, o trabalho consome
produtos para criar produtos, ou gasta produtos como meios de produção de
produtos. Porém, assim como o processo de trabalho, originariamente, se
processa apenas entre o homem e a terra, dada sem a sua intervenção, também
nele continuam a servir semelhantes meios de produção que, dados por Natureza,
não manifestam qualquer união de matéria da Natureza e trabalho humano.
O processo de
trabalho, tal como nós o apresentámos nos seus momentos simples e abstractos, é
actividade conforme a um fim para a fabricação de valores de uso, apropriação
do natural para necessidades humanas, condição universal da troca material
entre homem e Natureza, eterna condição natural da vida humana e, portanto,
independente de qualquer forma dessa vida, antes, igualmente comum a todas as
suas formas de sociedade. Não precisávamos, portanto, de mostrar o operário na
relação com outros operários. O homem e o seu trabalho por um lado, a Natureza
e as suas matérias por outro, bastavam. Assim como o gosto do trigo não diz
quem o cultivou, tão pouco nesse processo se vê em que condições ele se
processa, se sob o chicote brutal do capataz de escravos ou sob o olhar ansioso
do capitalista, se é Cincinnatus que o
executa no cultivo do seu par de jugera(15*) ou o selvagem
que com uma pedra mata uma fera(16*).
Voltemos ao nosso
capitalista in spe(17*). Deixámo-lo depois
de ele ter comprado no mercado das mercadorias todos os factores necessários
para um processo de trabalho, os factores objectivos ou os meios de produção, o
factor pessoal ou a força de trabalho. Com olhar ladino de entendedor, ele
escolheu os meios de produção e forças de trabalho ajustadas ao seu negócio
particular, fiação, fabricação de botas, etc. O nosso capitalista põe-se, pois,
a consumir a mercadoria por ele comprada, a força de trabalho, i. é, ele faz o
portador da força de trabalho, o operário, consumir os meios de produção pelo
seu trabalho. A natureza universal do processo de trabalho não se altera naturalmente
por o operário o executar para o capitalista, em vez de para si próprio. Mas
também o modo determinado como alguém faz botas ou fia fio não se pode
modificar, primeiro, pela intromissão do capitalista. Primeiro, ele tem de
tomar a força de trabalho tal como a encontra no mercado, portanto também o seu
trabalho tal como surgiu num período em que ainda não havia capitalistas. A
transformação do próprio modo de produção pela subordinação do trabalho ao
capital só pode dar-se mais tarde e, por isso, só mais tarde será considerada.
O processo de
trabalho, tal como decorre como processo de consumo da força de trabalho pelo
capitalista, mostra agora dois fenómenos peculiares.
O operário trabalha
sob o controlo do capitalista, a quem o seu trabalho pertence. O capitalista
está atento a que o trabalho progrida ordenadamente e os meios de produção
sejam empregues em conformidade ao fim, e portanto que nenhuma matéria-prima
seja desperdiçada e que o instrumento de trabalho seja poupado, i. é, seja
apenas destruído na medida em que o seu uso no trabalho o torne necessário.
Em segundo lugar,
porém, o produto é propriedade do capitalista, não do produtor imediato, o
operário. O capitalista paga, p. ex., o valor diário da força de trabalho. O
seu uso, como o de qualquer outra mercadoria, p. ex., de um cavalo, que ele
aluga por um dia, pertence-lhe pois por aquele dia. Ao comprador da mercadoria
pertence o uso da mercadoria, e o possuidor da força de trabalho ao dar o seu
trabalho dá, de facto, apenas o valor de uso por ele vendido. Desde o momento
em que entrou na oficina do capitalista, o valor de uso da sua força de
trabalho, portanto o seu uso, o trabalho, passou a pertencer ao capitalista. O
capitalista, pela compra da força de trabalho, incorporou o próprio trabalho,
como matéria viva de fermentação, aos elementos de formação do produto mortos,
e a ele igualmente pertencentes. Do seu ponto de vista, o processo de trabalho
é apenas o consumo da mercadoria por ele comprada, força de trabalho, que ele
porém só pode consumir ao acrescentar-lhe meios de produção. O processo de
trabalho é um processo entre coisas que o capitalista comprou, entre coisas a
ele pertencentes. O produto deste processo pertence-lhe, pois, tanto como o
produto do processo de fermentação na sua adega(18*).
Notas de rodapé:
(1*) Em latim no
texto: em acto. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(2*) Em latim no texto:
em potência. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(3*) «Sendo as
produções espontâneas da terra em pequena quantidade e completamente independentes
do homem, aparecem como se fossem fornecidas pela Natureza, da mesma maneira
que a um jovem é dada uma pequena soma a fim de o colocar numa via industriosa
e de fazer fortuna.» (James
Steuart, Principies of
Polit. Econ., edit. Dublin, 1770, v. I, p. 116.) (retornar ao texto)
(4*) «A razão é tão
astuciosa quanto poderosa. A astúcia consiste sobretudo na actividade mediadora
que, ao deixar os objectos, segundo a sua própria natureza, actuarem uns sobre
os outros e saturarem-se uns aos outros, sem se intrometer imediatamente neste
processo, não obstante apenas realiza o seu objectivo.» (Hegel, Enzyklopädie, Erster
Teil, Die Logik, Berlin, 1840, p. 382.) (retornar ao texto)
(5*) No escrito aliás
lastimoso: Théorie de l'écon. polit., Paris, 1815, Ganilh enumera
muito a propósito face aos fisiocratas a grande lista de processos de trabalho
que formam o pressuposto da agricultura propriamente dita. (retornar ao texto)
(6*) Nas Réflexions
sur la formation et la distribution des richesses (1766) Turgot desenvolve
bem a importância do animal domesticado para os começos da civilização. (retornar ao texto)
(7*) De todas as
mercadorias, as mercadorias de luxo propriamente ditas são as mais
insignificantes para a comparação tecnológica de diversas épocas de produção. (retornar ao texto)
(8*) Nota à 2.ª ed.
Por pouco que a historiografia até agora conheça o desenvolvimento da produção
material — portanto a base de toda a vida social e, assim, de toda a história
real —, pelo menos dividiu-se o tempo pré-histórico em Idade da Pedra, Idade do
Bronze e Idade do Ferro, segundo o material dos instrumentos e armas na base de
pesquisas científico-naturais, não das chamadas históricas. (retornar ao texto)
(9*) Em latim no
texto: o sítio de estar. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(10*) Parece
paradoxal chamar, p. ex., ao peixe, que ainda não foi apanhado, um meio de
produção para a pesca. Contudo, até agora ainda não se inventou a arte de se
apanharem peixes em águas nas quais eles não se encontram. (retornar ao texto)
(11*) Esta
determinação de trabalho produtivo, tal como resulta do ponto de vista do
processo de trabalho simples, não basta de modo algum para o processo de
Produção capitalista. (retornar ao texto)
(12*) Storch distingue a
matéria-prima propriamente dita como «matière» das matérias auxiliares
como «matériaux»[N65]; Cherbuliez designa
as matérias auxiliares como «matières instrumentales»(13*)[N66]. (retornar ao texto)
(13*) Em francês no
texto, respectivamente: «matéria», «materiais», «matérias instrumentais». (Nota
edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(14*) 4.ª edição:
deste produto. (Nota da edição alemã.) (retornar ao texto)
(15*) Em latim no
texto: jeiras. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(16*) Por esta razão
altamente lógica, o coronel Torrens descobre na
pedra do selvagem — a origem do capital. «Na primeira pedra que ele [o
selvagem] atira ao animal selvagem que persegue, no primeiro pau que agarra
para atirar ao chão o fruto que está acima do seu alcance, vemos a apropriação
de um artigo com o propósito de ajudar à aquisição de outro e assim descobrimos
a origem do capital.» (R.
Torrens, An Essay on the
Production of Wealth, etc, pp. 70, 71.) Partindo daquele primeiro pau [em
alemão: Stock] também talvez se possa explicar por que razão stock em
inglês é sinónimo de capital. (retornar ao texto)
(17*) Em latim no
texto: potencial. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(18*) «Os produtos
são [...] apropriados antes de serem convertidos em capital, e esta conversão
não os liberta da apropriação.» (Cherbuliez, Richesse
ou Pauvreté, édit. Paris, 1841, p. 54.) «O proletário, dando o seu trabalho
contra um aprovisionamento (approvisionnement) determinado [...]
renuncia completamente a qualquer direito [...] sobre os produtos que o seu
trabalho faça nascer [...]. A atribuição desses produtos permanece o que era
antes; ela não é de modo nenhum modificada pela convenção de que se trata. Os
produtos, numa palavra, continuam a pertencer exclusivamente ao capitalista que
forneceu as matérias-primas e o aprovisionamento. Isso é uma consequência
rigorosa da lei de apropriação, desta mesma lei cujo princípio fundamental era
a atribuição exclusiva a cada trabalhador dos produtos do seu trabalho.» (L. c,
p. 58.) James Mill, Elements
of Pol Econ., etc, pp. 70, 71: «Quando os trabalhadores recebem salários
pelo seu trabalho [...] o capitalista é então o dono não apenas do capital»
(quer aqui dizer os meios de produção), «mas também do trabalho. Se aquilo que
é pago como salários está incluído, como comummente está, no termo capital, é
absurdo falar de trabalho separadamente de capital. A palavra capital, tal como
é empregue, inclui ambas as coisas, capital e trabalho.» (retornar ao texto)